FONTE: PORTAL POSIIVO
FEVEREIRO DE 1836 - Great Trek
Historicamente, os bôeres já possuíam uma tradição um pouco nômade. Mudavam de terras, quando se tratava de conseguir melhores pastagens ou mesmo de fugir da dominação do governo holandês. O Great Trek ("grande viagem") superou qualquer desses movimentos. Foi uma grande peregrinação de grupos isolados ou mesmo caravanas* que partiram em uma longa marcha em busca de melhores terras para viver, cultivar e deixar seu gado, longe do domínio inglês, que ameaçava seu estilo de vida, já centenário, com a abolição da escravatura e as novas leis.
Nessa marcha, que durou cerca de 20 anos,** os bôeres levaram consigo seus pertences e suas famílias em carroças, além de escravizados e rebanhos de gado, que os seguiam caminhando. O movimento não só era de cunho econômico e guerrilheiro, mas também tinha motivação religiosa. Os africânderes acreditavam ser um povo escolhido cuja terra prometida era o Sul da África. Devido a essa crença, tinham uma espécie de "direito divino" de conquistar quaisquer povos que por ali habitassem.
A peregrinação partiu de Cabo e chegou a regiões tão distantes quanto Moçambique e Rodésia. No caminho, deixou um traço de sangue e de atrocidades cometidas contra as populações locais, que viram suas vilas serem queimadas, seus homens mortos ou escravizados e seu gado roubado pelos grupos de invasores.
Durante o percurso, em 16 de dezembro de 1838, ocorreu a Batalha do Blood River ("rio de sangue"), na qual aproximadamente 13 mil zulus entraram em combate com 300 bôeres. Enquanto os primeiros portavam armas tradicionais, os segundos, usavam fuzis e canhões. O saldo foi trágico: 3 mil mortos do lado zulu contra nenhum bôer. A tática das carroças em círculo prevaleceu.***
A viagem prosseguiu, e, ao final, os bôeres acabaram fundando repúblicas como Natal, Orange e Transval,**** mais tarde conquistadas pelos ingleses, que as transformaram em colônias.
*Os bôeres viajaram solitários ou com caravanas, que podiam chegar a duzentas carroças. Grupos pequenos conseguiam percorrer até 5 km por hora; já grupos maiores, com gado, perfaziam 5 km por dia.**O primeiro grupo, que partiu em 1836, foi liderado por Hendrik Potgieter. Piet Relief fez parte do segundo grupo.***Laager é um tipo de formação utilizada pelos bôeres durante o combate, em que diversas carroças eram agrupadas e unidas em formato circular, para evitar a entrada de invasores. Contra as armas africanas – lanças, escudos e outras –, os bôeres utilizavam armas de fogo. A laager destacava-se nos combates tanto na defesa quanto no ataque, pois o saldo era normalmente devastador. Enquanto centenas ou milhares de africanos eram mortos, defendendo seu território, os bôeres tinham pouca ou nenhuma baixa.**** Em 1843, a Inglaterra anexou formalmente a região de Natal.
As colônias britânicas no Sul da África produziam trigo, vinho e outros artigos agropastoris. Entre seus produtos para exportação estavam artigos exóticos ou selvagens, como presas, plumas de avestruz e até couro. Portanto, a região não era necessariamente lucrativa. Era mais um ponto estratégico nas navegações entre Ocidente e Oriente.
Esse panorama mudaria com a descoberta de diamantes em Kimberley, na Colônia do Cabo, o que transformaria a África do Sul em fonte de riquezas, recebendo, a partir de então, investimentos da Metrópole.
Em 1872, a região de Kimberley tinha quatro minas. Somente uma delas possuía cerca de 10 mil trabalhadores na extração de diamantes. A maior parte desses trabalhadores era de africanos, e, apesar de seu serviço ser assalariado (uma novidade na região), eles recebiam um salário muitas vezes menor do que um trabalhador branco.
A maioria dos trabalhadores africanos era originária de locais fora das fronteiras da Cidade do Cabo. Esses homens tinham passes para ir e vir, que ganhavam quando iniciavam o trabalho nas minas. Se não os portassem, poderiam ser aprisionados por até três meses. Tais passes foram a origem dos passaportes utilizados no século XX, que segregavam a população negra, impedindo-a de utilizar as áreas habitadas por brancos.
Entre os homens que se destacaram na exploração de diamantes sul-africanos está o imperialista britânico Cecil Rhodes (1853-1902).
Além dos diamantes, em 1886 foi descoberto ouro na região de Witwatersrand, no Transval. Tanto a descoberta de diamantes quanto a do ouro fizeram com que pessoas de distintas partes do mundo afluíssem para a África do Sul, buscando enriquecer. Era a febre do ouro.
A zona do ouro, conhecida como Zona do Rande, em 1898 chegou a ser responsável por 27,5% da produção mundial de ouro.*
* BRANCO, Luís Bernardo Nunes Mexia Castelo. A política externa sul-africana: do apartheid a Mandela. Lisboa: ISCTE, 2007. Tese de doutoramento. Disponível em: https://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/542/1/Doutoramento%20Luis%20CB.pdf. Acesso em: 17/4/2013.
1895 - Surge a Rodésia
O britânico Cecil Rhodes (1853-1902) foi um dos homens que enriqueceu com a exploração dos recursos minerais da África do Sul. Em 1888, ele conseguiu dos matabeles (um povo africano) o direito de explorar as riquezas de uma extensa área. Essa atividade estava relacionada à iniciativa privada de colonização e foi realizada pela Companhia Britânica da África do Sul. Aos poucos, Rhodes foi adquirindo mais e mais territórios na região (muitos obtidos pela força), até que, em 1895, criou o território da Rodésia. Atualmente nesse local existem dois países: Zâmbia e Zimbábue*.
Entre 1896 e 1897, Rhodes deu um jeito de exterminar as revoltas tribais na região. Criou represas e estradas de ferro, porém seu trato com as populações africanas foi duro. Só se interessava por sua mão de obra e pelas riquezas territoriais, e afirmava: "O nativo deve ser tratado como uma criança e negado seu direito ao voto. Nós devemos adotar um sistema de despotismo em nossas relações com os bárbaros da África do Sul".**
Rhodes chegou a produzir jornais para moldar a opinião pública. Tornando-se um político e magnata da mineração, viria a dominar 90% da produção mundial de diamantes. Foi primeiro-ministro da Colônia Britânica do Cabo.
Suas opiniões imperialistas tornaram-se famosas. Observe esta conversa entre Rhodes e um ministro britânico:
"Nosso fardo é muito grande", queixou-se uma vez Gladstone. "Nós temos muito a fazer, Sr. Rhodes. Fora o aumento de nossas obrigações em cada parte do mundo, que vantagem você vê para a raça inglesa na aquisição de um novo território?" Rhodes respondeu: "A Grã-Bretanha é uma ilha muito pequena. A posição da Grã-Bretanha depende de seu comércio, e se nós não o abrirmos onde a barbárie ainda impera, teremos de encerrar o comércio mundial. E você deve estar ciente de que seu negócio é o mundo, e que sua vida é o mundo, não a Inglaterra."***
*Em 1980, quando o Zimbábue adquiriu sua independência, excluiu-se o nome Rodésia.** MATHEW, Sweet. Cecil Rhodes: a bad man in Africa. Race and History, 16 mar. 2002. Tradução de: MIRANDA, Priscila Pugsley Grahl de. Disponível em: http://www.raceandhistory.com/Zimbabwe/2002/16032002.html. Acesso em: 16/4/2013.*** MATHEW, Sweet. Cecil Rhodes: a bad man in Africa. Race and History, 16 mar. 2002. Tradução de: MIRANDA, Priscila Pugsley Grahl de. Disponível em: http://www.raceandhistory.com/Zimbabwe/2002/16032002.html. Acesso em 16/4/2013.
A descoberta de ouro e diamantes na África do Sul aumentou o interesse dos britânicos pela região, afetando a vida tanto de africanos* – que foram perdendo seus territórios para companhias inglesas, muitas vezes de forma violenta – quanto dos bôeres, que viram as regiões em que anteriormente formaram Estados sendo cada vez mais dominadas por ingleses, por existirem ali grandes jazidas de metais preciosos.
O conflito teve dois momentos. O primeiro ocorreu entre 1880 e 1881. O motivo foi o pedido de restauração para os bôeres da República do Transval, que havia sido anexada em 1877 pela Grã-Bretanha. Essa primeira fase do conflito foi vencida pelos bôeres.**
Como os ingleses ainda não estavam satisfeitos com seu domínio na região, um segundo conflito eclodiu em 1889, sendo uma das lutas mais difíceis que a Grã-Bretanha enfrentou em suas colônias. Colocou, a República Sul-Africana, juntamente com os estados independentes de Orange e Transval (onde os bôeres queriam preservar sua autonomia), de um lado; e a Grã-Bretanha, que queria dominar toda a África do Sul e controlar suas riquezas, de outro lado.
Os bôeres tinham algumas vantagens: conheciam melhor o território, eram hábeis com armas e já estavam acostumados com combates na região. Já os ingleses, além de possuírem melhores armamentos, estavam em maior número. Entre suas táticas para vencer os bôeres, estiveram a destruição e o incêndio de suas casas, de suas colheitas e de seus animais, e a construção de campos de concentração para as mulheres e crianças, onde diversos morreram com epidemias e fome.
Em 1902, o conflito chegou ao fim, levando à morte cerca de 22 mil soldados britânicos e 7 mil bôeres.
Os ingleses barraram o ensino da língua africânder nas escolas, estabeleceram o inglês como língua oficial e obrigaram os bôeres a jurarem fidelidade ao rei inglês. O tratado de paz exigiu que os bôeres entregassem suas armas e aceitassem a integração ao Império Britânico das repúblicas antes pertencentes aos bôeres: elas se tornaram a colônia do Orange e Transval.
*"No final do século, privados de suas terras, reduzidos ao papel de trabalhadores manuais das empresas dos brancos e controlados por um conjunto rígido de ‘leis dos nativos’ – inclusive, uma vez mais, os odiados passes – e, eles foram forçados a assistir à luta de bôeres e ingleses pela posse da terra que fora deles. Tinham se tornado estrangeiros em seu próprio país." HISTÓRIA em revista. A força da iniciativa - 1800-1850. Rio de Janeiro: Abril Livros, 1992. p. 169.**A paz entre a província do Transval e a Grã-Bretanha foi assinada em 23 de março de 1881.
1910 - União Sul-Africana
Em 1908, o que hoje é a África do Sul eram então quatro colônias: Cabo, Natal, Orange e Transval. A partir daquele ano, iniciaram-se negociações pela unificação da região, o que se efetivou em 1910, quando se formou a União Sul-Africana. Ela continuaria a fazer parte do Império Britânico. As línguas oficiais escolhidas foram o inglês e o africâner.
Para cativar os bôeres e apaziguar seus ânimos – já que haviam perdido a guerra e sua liberdade –, foram dadas a eles mais cadeiras no governo do que aos ingleses, bem como foi um bôer, Louis Botha, o primeiro-ministro da União Sul-Africana. Nesse novo governo, a população negra africana não teve voz. Os privilégios ficaram restritos aos brancos*, como prosseguiria em grande parte da história do país.
"Este desejo britânico de acomodar o nacionalismo bôer também explica a posição adoptada em relação às reivindicações da população negra. Se, num primeiro momento, as autoridades britânicas se mostraram sensíveis às exigências, nomeadamente em relação à recuperação da posse da terra e ao direito de voto, numa segunda fase, as promessas foram esquecidas, devido à necessidade de cativar os bôeres."**
*Naquela época, a África do Sul tinha 4 milhões de negros, 1 milhão e duzentos mil brancos, 500 mil mestiços e 180 mil indianos.
** BRANCO, Luís Bernardo Nunes Mexia Castelo. A política externa sul-africana: do apartheid a Mandela. Lisboa: ISCTE, 2007. Tese de doutoramento. p. 33. Disponível em: https://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/542/1/Doutoramento%20Luis%20CB.pdf. Acesso em: 17/4/2013.
1912 - Formação do CNA
A criação da União Sul-Africana em 1910 excluiu a população negra da participação política na África do Sul. Em 8 de janeiro de 1912, centenas de sul-africanos reuniram-se em Bloemfontain, onde decidiram criar uma organização destinada a protestar contra a discriminação racial e lutar pela igualdade. Eles eram o South African Native National Congress, que mais tarde se tornaria o CNA (Congresso Nacional Africano). Entre seus objetivos, estavam:
"1. Unir todas as associações existentes no seio da União Sul-Africana que tivessem por objetivo a promoção e a salvaguarda dos interesses dos africanos.
2. As atuações iniciais da organização deveriam centrar-se na oposição à barreira da cor, existente em várias áreas da sociedade sul-africana. Por outro lado, era necessário lutar pela representação justa dos africanos nas instituições políticas do país."*
Enquanto os africanos se organizavam para garantir e ganhar direitos, os bôeres queriam aumentar ainda mais sua influência, por isso criaram, em 1914, o Partido Nacional.
* BRANCO, Luís Bernardo Nunes Mexia Castelo. A política externa sul-africana: do apartheid a Mandela. Lisboa: ISCTE, 2007. Tese de doutoramento. p. 36. Disponível em: https://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/542/1/Doutoramento%20Luis%20CB.pdf. Acesso em: 17/4/2013.
1913 - Native Land Act
Um verdadeiro golpe ainda atingiria a população africana, por meio do Native Land Act (lei sobre as terras nativas), a partir do qual 7,3% das terras da África do Sul (espécies de reservas) foram destinadas para a população negra, e 92,7% do total coube ao restante da população.
A lei também restringiu a possibilidade de as populações africanas efetivamente comprarem terras em áreas que não pertencessem a essas reservas. A pequena parcela que lhe foi destinada correspondia às piores terras da África do Sul, não adequadas à agricultura nem à pecuária e que, com o tempo, se transformaram em verdadeiras favelas.
Os negros só podiam viver fora dessas reservas se estivessem morando em propriedades de brancos. A medida facilitou a remoção das populações negras de terras centenárias, bem como o recrutamento para o trabalho das minas. Ela foi um princípio de segregação territorial que ainda pioraria na África do Sul.
1948 - Tem início o apartheid
A segregação já vigorava na África desde os primórdios de sua colonização. Porém, com a ascensão ao poder do Partido Nacionalista, em 1948, o regime foi oficializado. Iniciava-se o apartheid.
apartheid é um sistema rígido de segregação racial, de separação entre brancos e negros, que teriam lugares separados onde morar e manteriam suas culturas próprias. Os contatos entre os dois grupos deveriam restringir-se às relações de trabalho, nas quais os brancos estavam destinados a ser os patrões e os negros, os empregados.*
Aos poucos, passaram a surgir e a vigorar leis raciais. Entre 1949 e 1950, foram legalmente proibidas relações sexuais e casamentos entre brancos e negros, mestiços ou asiáticos.
Os direitos de ir e vir dos negros também foram cerceados. Para circular nas cidades, eles eram obrigados a portar passes especiais, nos quais os sul-africanos eram enquadrados entre as categorias de brancos, negros, mestiços e asiáticos. Surgiram diversos decretos, como o que proibia que negros e brancos frequentassem os mesmos locais públicos, o que incluía bebedouros, toaletes, etc.
Aos negros, foi excluída a cidadania, não podendo votar nem mesmo concorrer a cargos públicos, esses destinados apenas aos brancos. Até o ensino era segregado, como vemos em um relato colhido pelo jornalista Kapuscinski:
(...) de acordo com este decreto, fica terminantemente proibido a estudantes de medicina que não tenham pele branca realizar autópsias em corpos de brancos. O estudo de anatomia por estudantes não-brancos somente poderá ser feito nos necrotérios em cadáveres de não-brancos.**
Na teoria, brancos e outros grupos deveriam ter um desenvolvimento em separado, enquanto aos primeiros eram dadas todas as condições de desenvolverem-se e oferecidos muitos recursos para isso. Aos demais habitantes, restava o papel de servir.
Resistindo a todas essas medidas estava o CNA (Congresso Nacional Africano) e sua Liga da Juventude, fundada em 1944, que contava com a influência de homens como Oliver Tambo, Walter Sisulu e Nelson Mandela***. Eles organizariam movimentos de massa pacíficos utilizando como táticas o boicote, greves e a desobediência civil.
*SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 140.**KAPUSCINSKI, Ryszard. A guerra do futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 90.*** Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em Transkei, na África do Sul, em 1918. Formou-se em Direito e em 1944 ingressou no Congresso Nacional Africano, engajando-se na luta contra o apartheid a partir de 1948.
1951 - Criação dos bantustões
A ideologia do apartheid, que previa o desenvolvimento separado de negros e brancos, acabaria criando ainda mais uma medida de segregação: os bantustões, ou homelands ("lares nacionais"). Eles eram uma espécie de versão moderna do Native Land Act de 1913. A partir de uma lei, cada africano negro seria levado para um desses bantustões, de acordo com sua identidade étnica (Zulu, Sotho, Xhosa, Tswana, Tsonga e Venda). Foram criados dez desses grupos, ocupando um total de 13% do território sul-africano (122 milhões de hectares). Para ocupá-los, ocorreu uma remoção forçada de aproximadamente 3 milhões de negros, deixando as principais cidades do país com a maioria da população composta de brancos.
A política dos bantustões estava essencialmente fundada sobre o princípio "dividir para reinar": ela visava balcanizar o nacionalismo africano e ganhar tempo, consolidando, todavia, a supremacia branca. (...) Ao mesmo tempo, todo desempregado e qualquer ‘agitador’ político era conduzido ao seu bantustão de origem. Juridicamente, todos os africanos, habitantes no território da África do Sul branca tornavam-se residentes temporários, sem nenhum direito a gozar das liberdades cívicas ou possuir bens. A ocupação ilegal das terras, os conflitos de arrendamento, os conflitos pessoais, a falta de alojamentos, todos estes problemas se regulavam através do repatriamento forçado para os bantustões.*
Essas regiões apresentavam diversos problemas sociais, como a superpopulação de homens e de gado, o subdesenvolvimento, a pobreza e até a erosão. Os locais eram na verdade um celeiro de mão de obra obrigada a trabalhar por salários irrisórios, muito abaixo do que qualquer branco receberia para realizar a mesma função.
Essa política de grande exclusão terminaria somente em 1994.
*AJAYI, J. F. Ade. História Geral da África, VIII: África desde 1935. Unesco: MEC: Universidade Federal de São Carlos, 2010. p. 307.
1955 - Carta da Liberdade
O apartheid vigorava excluindo as populações negras da cidadania, da liberdade e dos direitos humanos. O órgão que se opôs a essa ação foi o CNA (Conselho Nacional Africano), que defendia a desobediência civil e a resistência pacífica como formas de oposição. Essas manifestações não violentas eram reprimidas com brutalidade e prisões.
Em 1955, o CNA lançou a Carta da Liberdade, que chamava o governo a dar direitos iguais para todas as raças.
Em 1959, um racha no Congresso Nacional Africano criaria o Congresso Pan-Africano, uma nova organização para lutar por maiores direitos para as populações africanas negras.
21/03/1960 - Manifestação em Sharperville
Desde 1949, os negros da África do Sul passaram a ter o direito de ir e vir restringido. Observe este texto:
Nessas condições, em 1952, foi decretada uma nova lei de controle que impunha aos negros o uso constante e obrigatório de um passaporte interno, com um conjunto de informações: a reserva de origem, as situações familiar e profissional, e os locais de trabalho e permanência autorizados. O não-cumprimento dessa lei era considerado infração, passível de penas como a condenação e a prisão.*
Para protestar contra esses passes, cerca de 15 mil pessoas reuniram-se em frente à delegacia de Sharpeville,** em um protesto pacífico, gritando: "Liberdade para nossa vida" e pedindo para serem presos. A polícia reagiu atirando e atacando os participantes. O saldo foi trágico: 69 pessoas foram mortas a tiro, sendo dois terços delas alvejadas pelas costas. Fora isso, o dia deixou 178 feridos.
O massacre foi visto com horror pela comunidade internacional. O Dia Nacional do Luto, convocado pelo CNA (Congresso Nacional Africano), ocorreu uma semana depois. O governo sul-africano fechou o cerco para com as organizações que lutavam contra o apartheid considerando o CNA ilegal. Na clandestinidade, o partido foi aos poucos deixando a resistência pacífica de lado e apelando para a luta armada. Em 1961, surgia a Lanças da Nação,*** com Nelson Mandela como comandante.
*HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula. Visita à História Contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2008. p. 254.**Sharpeville era uma township, isso é, uma área urbana destinada para negros, localizada a 45 km de Johannesburgo.***Lanças da Nação é uma tradução de Umkhonto weSizwe.
31/05/1961 - Proclamação da República
Um plebiscito na África do Sul transformou o país em uma república com o nome oficial de República da África do Sul. O país foi forçado a se retirar do Commonwealth* devido a sua política racista conhecida como apartheid.
Nesse mesmo ano, tanto o Conselho Nacional Africano quando o Congresso PanAfricano foram proibidos de atuar. Começava uma nova era do apartheid.
*A África do Sul foi uma das fundadoras do Commonwealth – Comunidade de Nacões (Britânicas). Foi expulsa em 1961, devido à política do apartheid, porém regressou em 1994.
1962 - Prisão de Mandela
Após o Massacre de Sharpeville, o governo sul-africano passou a perseguir com dureza os movimentos de resistência africanos. O CNA foi posto na ilegalidade, e diversos de seus líderes foram presos. Mandela, um deles, estava sendo procurado pela polícia havia aproximadamente 15 meses quando foi encarcerado em 1962.
Ele foi julgado em 1964 por um tribunal em Pretória e acusado de alta traição. Condenado à pena de morte, comutada para prisão perpétua, Mandela ficou encarcerado no presídio da Ilha Robben de 1964 a 1982.
Também foram presos outros líderes da CNA, como Govan Mbecki e Walter Sisulu. Helen Joffer, líder do movimento das mulheres, teve prisão domiciliar.
Em artigo escrito em 1965, o jornalista Riszard Kapuscinski reproduz uma frase que recolheu na África do Sul e que mostra o espírito do governo branco segregacionista, bem como o tipo de ação que o governo estava disposto a realizar para combater o movimento da população negra:
(...) Se os negros erguerem a cabeça, nós ergueremos punhos de aço. A relação é de um para quatro, mas nós estamos armados até os dentes, enquanto eles não têm nada. Serão trucidados de tal forma que teremos que importá-los do estrangeiro. KAPUSCINSKI, Ryszard. A guerra do futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 93.
12/11/1974 - África do Sul suspensa na ONU
Em 1952, a ONU se pronunciou contra o regime de segregação sul-africano condenando-o, considerando-o uma violação aos direitos humanos e uma ameaça para a paz. Foi somente em 1974 que as Nações Unidas suspenderam a África do Sul de sua Assembleia Geral. O país só regressou à organização em 1994, depois do fim do apartheid.
16/06/1976 - Massacre de Soweto
As escolas eram segregadas na África do Sul. Enquanto as instituições que educavam a população branca obtinham muito investimento financeiro, as responsáveis pela educação dos africanos negros eram bastante precárias, recebendo aproximadamente dez vezes menos incentivo financeiro, o que já era desde muito um motivo de protesto*.
Em 1976, aproximadamente 10 mil estudantes reuniram-se em Soweto, cidade próxima a Johannesburgo, para protestar contra uma lei que tornava obrigatório o ensino de africânder nas escolas. Afrikaans, ou africânder, era uma língua derivada do holandês falada pelos sul-africanos brancos. Era considerada pelos negros a língua da dominação racial.
Naquele dia, enquanto os estudantes estavam desarmados, os policiais portavam revólveres, gás e fuzis. Não se sabe ao certo quem começou o combate, mas o resultado foi desastroso: cerca de 23 mortos e 220 feridos. A partir de então, iniciaram-se movimentos contra o governo segregacionista em diversas cidades da África do Sul, cujas consequências foram prédios oficiais queimados, funcionários públicos mortos etc.
Depois de Soweto, os movimentos antiapartheid começaram a fortalecer-se ao redor do mundo. A ONU declarou 1978 o Ano Internacional Antiapartheid.
Atualmente, a data do Massacre de Soweto é comemorada como Dia da Juventude na África do Sul.
1984 - Desmond Tutu é Nobel da Paz
*O Bantu Education Act, de 1953, foi uma lei que reduziu drasticamente o padrão da educação para os alunos negros da África do Sul.
Apesar das restrições internacionais, o apartheid continuava vigorando na África do Sul. Em 1984, por sua luta incessante contra esse regime, Desmond Tutu ganhou o Prêmio Nobel da Paz.
O primeiro ato de Tutu contra o apartheid ocorreu quando ele, ainda professor, renunciou seu cargo em protesto contra o Bantu Education Act, de 1953, lei que reduziu drasticamente o padrão da educação para os alunos negros da África do Sul.
Tutu, além do magistério, estudou Teologia e foi o primeiro negro a assumir altos cargos dentro da Igreja Anglicana da África do Sul. Ele pregava uma sociedade democrática e justa, sem divisões raciais, demandando as seguintes ações:
1. direitos civis iguais para todos;
2. abolição da lei dos passes na África do Sul;
3. um sistema comum de educação;
4. fim da deportação dos sul-africanos negros para os bantustões.
1989 - Novo presidente, novas leis
1989 - Novo presidente, novas leis
Era tenso o clima na África do Sul quando Frederik de Klerk assumiu a presidência do país. Externamente, o país sofria com ações antiapartheid, boicotes e embargos econômicos que dificultavam suas exportações e importações. Internamente, tinha de enfrentar greves, sabotagens e protestos contra o regime racista, os quais eram organizados pela CNA (Congresso Nacional Africano). Não restava outro caminho senão abrandar as leis racistas e dar fim ao regime segregacionista.
O afrouxamento das leis já havia começado na década de 1980, quando os sindicatos negros foram legalizados, terminou a segregação no transporte público e caiu a lei que proibia as relações sexuais inter-raciais. Iniciava-se então uma era de reformas, em que a legislação do apartheid foi aos poucos retirada.
O CNA (Congresso Nacional Africano) foi legalizado, bem como outras organizações que lutavam contra a segregação. Em 1991, o governo pôs fim ao apartheid em locais públicos, e foram suspensas as sanções econômicas internacionais contra a África do Sul. Em 1993, ocorreu uma reforma constitucional que incluiu a participação da CNA.
No ano de 1994, foram convocadas eleições livres e multirraciais para todo o país, nas quais todas as etnias estavam representadas.
11/02/1990 - Libertação de Mandela
11/02/1990 - Libertação de Mandela
Entre as medidas realizadas durante o governo de Frederik de Klerk esteve a libertação de diversos presos políticos, sendo Nelson Mandela o mais famoso deles. Quando foi preso, Mandela era um dos líderes do CNA (Congresso Nacional Africano). Ele havia recebido a sentença de prisão perpétua em 1964.
Durante os anos de prisão, a reputação do líder cresceu, e ele se tornou um ícone da resistência antiapartheid, por recusar-se a mudar sua visão em troca de sua liberdade.
Em 1990, depois de ter cumprido 27 anos de prisão, Mandela foi liberto. Tinha 74 anos e deu continuidade à luta contra o apartheid.
1993 - Mandela: Nobel da Paz
1993 - Mandela: Nobel da Paz
O Prêmio Nobel da Paz de 1993 teve dois laureados: Nelson Mandela, líder da CNA; e Frederik Willem de Klerk, presidente da África do Sul. Eles receberam o prêmio por seu trabalho em prol de um fim pacífico do regime do apartheid e por propiciarem a fundação de uma nova democracia na África do Sul.
Outros sul-africanos já haviam ganho esse prêmio: em 1960, Albert Luthuli, líder da CNA, por seu papel na resistência não violenta e na luta pelos direitos civis dos negros africanos durante o apartheid; e em 1984, Desmond Tutu, bispo anglicano da África do Sul, por sua luta incessante contra o regime segregacionista sul-africano.
Outros sul-africanos já haviam ganho esse prêmio: em 1960, Albert Luthuli, líder da CNA, por seu papel na resistência não violenta e na luta pelos direitos civis dos negros africanos durante o apartheid; e em 1984, Desmond Tutu, bispo anglicano da África do Sul, por sua luta incessante contra o regime segregacionista sul-africano.
O governo de Frederik de Klerk marcou eleições livres na África do Sul para 1994.
Nessa eleição, negros, mestiços, mulatos, asiáticos e brancos puderam escolher seus representantes, que decidiriam o futuro do país, até então maculado pelo racismo institucionalizado. O CNA (Congresso Nacional Africano) venceu a maioria das cadeiras do Parlamento, que, antes composto apenas por brancos, agora se tornava multirracial. Nelson Mandela, líder do CNA, foi eleito presidente da África do Sul com 62,65% dos votos, com o que veio a ser o primeiro negro a ocupar esse cargo.
O país, antes banido de diversas organizações internacionais – como o Commonwealth e a ONU, por exemplo –, agora era convidado a regressar. A luta e os desafios de Mandela eram grandes. Um país que traz consigo uma história de segregação, teria de reconstruir-se. O apartheid social, com milhões de negros vivendo em extrema pobreza, deveria ser vencido, assim como a onda de violência que cresceu na África do Sul.
1996 - Comissão da Verdade e Reconciliação
Como fazer um país tão maculado e ferido pela segregação ser liberto de anos de amargura? Como punir os criminosos e torturadores? Como e quais crimes políticos feitos contra o apartheid deveriam ser anistiados. Para que fosse feita justiça, foi criada na África do Sul, em 1996, a Comissão da Verdade e Reconciliação. Presidida por Desmond Tutu, arcebispo da Igreja Anglicana no país, sua função era investigar as violações dos direitos humanos cometidas durante a vigência do apartheid. Entre seus objetivos, estavam:
O estabelecimento de um quadro tão completo quanto possível das causas, natureza e extensão das violações maiores dos direitos humanos ocorridas entre 1.º de março de 1960 e 6 de dezembro de 1994.A concessão de anistia aos que cometeram atos com objetivos políticos.A descoberta do destino ou localização das vítimas de grandes violações de direitos humanos e a assistência a elas na restauração de sua dignidade humana e civil, mediante a oportunidade a elas dada de testemunhar sobre as suas experiências e a recomendação de medidas de reparação e reabilitação.A preparação de um relatório para divulgar o trabalho e os fatos estabelecidos pela Comissão e conter recomendações sobre como evitar futuras violações de direitos.*
A comissão chegou a diversas conclusões, tais como que crimes bárbaros não poderiam ser anistiados. Também teve sérias dificuldades, como as relacionadas a algumas das grandes personalidades do regime do apartheid que se negaram a depor, dificultando as ações da comissão.
No final do trabalho, Desmond Tutu conclamou todos para a tolerância:
Tendo encarado a besta do passado olho no olho, tendo pedido e recebido perdão e tendo feito correções, viremos agora a página — não para esquecê-lo, mas para não deixá-lo aprisionar-nos para sempre. Avancemos em direção a um futuro glorioso de uma nova sociedade em que as pessoas valham não em razão de irrelevâncias biológicas ou de outros estranhos atributos, mas porque são pessoas de valor infinito criadas à imagem de Deus.**
*CINTRA, Antônio Octávio. As comissões de verdade e reconciliação: o caso da África do Sul. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/013080.pdf. Acesso em: 18/4/2013.**CINTRA, Antônio Octávio. As comissões de verdade e reconciliação: o caso da África do Sul. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/013080.pdf. Acesso em: 18/4/2013
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