FONTE: PORTAL POSITIVO
1652 - HOLANDESES NA ÁFRICA DO SUL
Desde que o português Bartolomeu Dias cruzou o Cabo da Boa Esperança, em 1488, o extremo sul africano passou a ser conhecido, mesmo que superficialmente, pelos europeus.
No século XVII, a Holanda vivia um tempo de prosperidade econômica. Era uma potência comercial e marítima, com colônias e negócios nas Índias. Como as viagens marítimas que partiam da Europa com destino à Ásia eram longas, podendo durar até seis meses, a Companhia das Índias Orientais holandesas viu o Cabo da Boa Esperança como um local estratégico, que poderia ser uma espécie de entreposto, fornecendo aos mercadores em trânsito uma parada onde poderiam adquirir alimentos e água.
Foi com esse intuito que, em 1652, três navios holandeses desembarcaram na África do Sul, na Baía de Table, no norte do Cabo da Boa Esperança. Eram calvinistas*, empregados da Companhia das Índias, e dedicavam-se à agricultura, à vinicultura e à criação de gado, buscando fornecer víveres às embarcações holandesas.
Com o passar do tempo, o povoado cresceu, e alguns desses empregados se tornaram fazendeiros independentes, estabelecendo suas fazendas em locais distantes o suficiente para fugir da fiscalização holandesa. Esses homens ficaram conhecidos como bôeres, ou africânderes.
(...) os primeiros colonos dispunham de muito espaço livre, o que ia de encontro ao sonho de todo o africânder, que é o de possuir uma tal vastidão de terra que, do umbral de sua porta, não possa enxergar nem mesmo a fumaça da chaminé do vizinho mais próximo.**
Os bôeres, se vissem sua liberdade ameaçada pela fiscalização holandesa, não hesitavam em buscar novas terras, nem que tivessem que ir para longe. Essas pastagens não estavam necessariamente livres. Pertenciam a povos ancentrais que habitavam a região e cultivavam gado. A prática, então, foi invadir as terras de tribos como as dos San e dos Khokhoi, escravizá-los e roubar seu gado.
No caminho, passaram por cima dos povos africanos cujo direito anterior à terra foi varrido pelo poder das armas de fogo e pelo peso da legislação europeia. A trilha da conquista do homem branco estava juncada de equívocos, tratados rompidos e filantropia mal-informada; sua ideologia era uma combinação incompatível de racismo, rapacidade e genuínas boas intenções; seu legado, uma terra mergulhada na inimizade, na divisão e no ressentimento amargo.***
Mas como um povo cristão, calvinista, praticaria tais atrocidades com a população local? O africanista Alberto da Costa e Silva explica que "havia se desenvolvido entre eles a teoria de que constituíam uma raça de senhores, que eram o povo escolhido por Deus para povoar aquelas terras".****
Com o passar do tempo, os filhos desses europeus que nasceram na África do Sul passaram a não se considerar europeus, e sim africâneres, falando sua própria língua, o africâner, uma língua originária do holandês, com uma mistura de alemão e francês. *****.
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* O calvinismo é um sistema teológico defendido por João Calvino (1509-1594), um dos reformadores protestantes.
* KAPUSCINSKI, Ryszard. A guerra do futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 99.
** HISTÓRIA em revista. A força da iniciativa - 1800-1850. Rio de Janeiro: Abril Livros, 1992. p. 145.
***SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 141.
**** As primeiras levas de colonizadores da África do Sul não foram somente holandesas. Franceses e alemães também estiveram presentes na região, apesar de serem eclipsados pelos bôeres.